sexta-feira, 21 de agosto de 2015

A primeira coisa que vejo quando acordo.

Acordei num sábado de manhã na república.
Eu estudava Cinema numa cidade do interior brasileiro chamada Aldebaran, que era conhecida pelas cavernas e seu tom “místico”, descrito em sites de turismo como um ótimo local para o avistamento de Duendes e Gnomos, a pequena cidade que durante as tardes cheirava a Bolo de Fubá nas estreitas ruas do centro.
O Sol apareceu no céu poucos minutos antes, e a primeira coisa que veio à minha cabeça foi o horrível sonho no qual minha ex-namorada me mordia loucamente até uma fumaça branca sair dos meus ossos.
Não havia uma única marcação para aquele dia na minha agenda: nem perfomances teatrais nem grupos musicais se apresentando nas praças. Isso significava que eu finalmente tinha um tempo para arrumar meu quarto.
Peguei um saco preto de cem litros e comecei a jogar tudo o que não tinha valor fora. Meu guarda-roupa cheirava a mofo, algo com o qual eu deveria realmente me importar, visto que a alergia que atacava em meu nariz piorava a cada minuto que passava.
Do fundo de uma das gavetas, encontrei uma caixinha preta, muito parecida com a qual a garota que ficara do meu lado durante tanto tempo recebeu sua aliança de dois anos de namoro. Mas não podia ser aquela, eu não a teria trazido para Aldebaran. Estava leve e aparentemente vazia. Após abri-la percebi que nem espuma tinha ali, deixando apenas um papeloide branco que forrava o interior da caixa.
Não pensei duas vezes, foi uma das primeiras coisas a acertar o fundo do saco preto.
No final, peguei tudo e levei para fora, ou pelo menos esse era meu objetivo: eu juro que não tinha bebido, mas bati e rasguei todo o saco várias vezes no caminho, deixando o sujo conteúdo do saco cair no chão, me causando cada vez mais trabalho e irritação.
Voltei ao quarto e comecei a organizar cada coisa no seu lugar. Abri a terceira gaveta, e lá estava novamente a caixinha negra que eu tinha jogado no lixo.
Que besteira, pensei comigo, estou chapado. Mas não, eu não tinha usado nada ainda naquele dia.
Abri-a novamente, esperando encontrar algo no seu interior, e para meu espanto, encontrei.
Um pequeno pedaço de papel quadrado e colorido contrastava-se com o forro branco da caixinha. Era fácil identificar aquilo como um doce, alma, bottom, buttler, build, Dietilamida do Ácido Lisérgico, L. Acid, LSD.
Lembrei dos ensinamentos de Huxley e minhas glândulas sublinguares recebiam a dosagem da droga ilegal naquele país.
Foi uma brisa gostosa, suave. O suficiente para a felicidade daquele dia, ou esquecer de um passado amoroso do qual eu sentia falta.
Você merece coisa melhor, eu dizia a mim mesmo.
Aparentemente, a bad bateu.
No domingo o Sol nasceu um pouco mais cedo.
Levantei, fiz café e acendi um cigarro. Mais tarde meus amigos chegariam para dar vida à casa que durante as semanas não fazia silêncio. Era incrível que naquele momento as pinturas e rabiscos na parede não estivessem recebendo as fortes vibrações sonoras que saíam das caixas de som dos computadores.
O vento frio levantou os pelos do meu braço, e decidi pôr uma blusa. Lembrei da qual eu havia ganho de uma garota que mudara minha vida tempos antes, cinza e verde, com duas cobras se enrolando em torno de um raio.
Coloquei-a e voltei para o quintal com meu cigarro e o café.
Hoje em dia eu me pergunto: como eu podia ser tão inocente a ponto de colocar na minha boca qualquer coisa que parecesse abrir minhas Portas da Percepção?
Senti um bizarro conteúdo nos largos bolsos daquela blusa. Era a caixinha negra novamente. Seu conteúdo estava praticamente vazio, com uma exceção: um pequeno pedaço de papel quadrado e colorido que contrastava com o forro branco da caixinha.
E foi assim no outro dia, e no outro também, até que na quarta-feira o Sol decidiu nascer mais tarde do que na terça-feira.
Corri procurar por todo o meu quarto aquele estranho recipiente que me trazia um pouco de felicidade a cada dia. Nada. Todos os bolsos vazios, todas as gavetas cheias de coisa que com nada se pareciam com a caixinha de alianças negra.
Eu devo ter sonhado, claro.
Esse fim me fez mal.
Estarei eu alucinando?
Cheguei na cozinha e fiz meu café como no sábado. Enquanto a água esquentava, encostei no batente que dava ao jardim e comecei a ler um livro sobre Carcosa.
O líquido na panela borbulhava e soltava um estranho cheiro de madeira. Pequenos pedaços brancos e naturais boiavam em meio ao pequeno caos: cogumelos.
Que merda é essa?
Sim. Estou alucinando;
Estaria algum amigo meu fazendo uma piada? De onde surgiu aquilo?
Mesmo assim, era um número grande de chá sendo feito, não teria nada demais tomar apenas alguns golinhos.
Tomei o suficiente e esperei. Comecei a sentir que algo tomava conta da minha vida. Como uma manipulação física e mental que eu poderia estar sofrendo a cada instante.
Então acordei, e assim que cheguei na cozinha a água já borbulhava com o cogumelo novamente.

E foi durante algum tempo. Me perdi em meio a tudo isso. Aparentemente meus amigos haviam sumido, e pouco mais de vinte dias depois do primeiro chá, acordei com profundas dores de cabeça. Meu estômago se remoía como se ele não recebesse alimento há muito tempo. O hálito que passava pelos meus lábios cheiravam a adubo, e meu dentes bizarramente tinham a dureza de madeira.
A primeira ação daquele meu dia foi correr ao banheiro liberar qualquer ácido gástrico que quisesse sair, que quisesse sentir o vento frio antes de encontrar a água e cerâmica. Meus olhos ardiam pela gosma de baixo ph que cortava minha garganta. Me arrastei à pia, sentindo o gosto de sangue na minha língua e escorrendo por fora dos meus lábios.
Hálito.
Estiquei meu braço até o pegador do armário sob a pia, abri-o e encontrei a caixa em que guardava minha escova de dentes.
Eu não sentia muita coisa.
Meus pés estavam dormentes.
Qualquer objeto com cerdas tinha sumido daquela caixinha.

No seu interior só havia uma injeção e seu conteúdo prateado-transparente.

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