sábado, 5 de setembro de 2015

A Garota que não Sonhava

Todos os dias ela olhava pela janela do quarto e observava durante alguns poucos segundos aqueles trabalhadores.
No início, quando foi obrigada a viver naquele lugar, passava horas vendo aqueles homens minúsculos mexendo com areia e pedra, mas a desmistificação da rotina tornou aquele singelo ato em algo estéril, comum, sem um motivo.
Ao acordar cedo, tentava passar o maior tempo possível sem pensar em nada, apenas esperando um segundo suspiro da respiração. Levantava e dava um bom dia silencioso do alto aos trabalhadores que erguiam dia a dia sua torre alguns andares a mais e não respondiam pela incapacidade de escutá-la.
Ela se lembrava perfeitamente de quando chegou naquele lugar, que até então tinha pouco mais de oito andares. Agora, pela sua janela, conseguia enxergar ainda mais distante no horizonte, e se não fosse pelas densas nuvens cobrindo o mar, poderia imaginar que conseguia enxergar o outro lado da tempestade.
Mas não.
Eu não posso confiar em alguém que não fecha os olhos e sonha, alguém que deita na cama e passa oito horas dormindo sem acordar no outro dia abalado ou feliz por aquilo que sua imaginação lhe mostrou.
Mas que imaginação afinal teria ela, que vive num quarto trancado cada vez mais distante do mundo real? E os andares sobem e sobem, dando a ela a solidão que acalma e os ventos que empurram, as nuvens passageiras e as carregadas, até que num alegre vislumbre passamos das nuvens e estamos frente a frente com o Sol.
Aquele era o momento de julgar todas as coisas que aconteceram, sem mentiras, apenas uma sábia reflexão da vida.
Mas não.
A garota que não sonhava acordou e olhou novamente pela janelinha.

Lá do alto, vários homens trabalhavam.